BAIRRO
PORTUGUÊS DE SANTA CRUZ
em
Banguecoque - Tailândia
Em 1767, a segunda capital da Tailândia, Aiútaia, foi atacada e incendiada pelas tropas invasoras do Reino de Pegú.
Pouco depois de 1516, e no seguimento do primeiro Acordo de Amizade Comércio e Navegação entre Portugal e a Tailândia, os portugueses iniciam a fixação e poucos anos depois está formada uma comunidade luso/tailandesa.
Quando a queda teve efeito, calcula-se que os residentes no Bangue Portuguete (designada Aldeia do Portugueses), andaria em cerca de três mil pessoas.
O homem português quando embarcava nas naus, para a ventura na Ásia, à procura de um melhor viver, viver que o seu Portugal da época não lhe oferecia, partia sem mulher e devido à facilidade de integração dentro de outras etnias, que desde sempre o caracterizou, contraía matrimónio com mulheres nativas, constituindo família, multiplicanado-a e assim se foi formando a diáspora lusa e a dissiminação da língua de Camões no Mundo.O núcleo lusofónico vive em Ayuthaya por uns 250 anos, ocupam-se nas artes e ofícios, no ensino, servem na Corte siamesa como soldados, ora pertencendo à guarda pessoal do Rei, ora envolvidos nos exércitos, na defesa do Território contra as investidas, quase constantes, das tropas birmanesas.
Em Aiútaia a quando da queda, a comunidade estrangeira da Europa era exígua e, a comunidade luso/tailandesa, juntamente com a chinesa, foram as últimas a renderem-se aos invasores e, só acontece quando estes lhes garantiram que não lhes seria feito algum mal abandonando o seu aldeamento onde, pelo menos, cerca de umas dez gerações já tinham vivido.
Da cidade fica um espectro queimado pelo fogo na noite de 4 de Abril de 1767. Fica reduzida a cinzas, as paredes dos templos negras do fumo e as populações fogem, apavoradas, para outras localidades.
Surge, então um sino/tailandês, soldado oficial, filho de pai chinês, mãe siamesa, ligado à corte e recebedor dos impostos dos súbditos do Rei, que mercê da humilhação sofrida pelo Reino do Pegú, incita os siameses ao patriotismo e a pegarem em armas, colocando deste modo os invasores em debandada, ainda em Aiútaia.
O General Taksin, a quem os historiadores da época, para além de lhe atribuírem excelentes qualidades na arte de saber comandar tropas, também lhe atribuíam o dom de possuir forças sobrenaturais, conseguiu, após a queda de Aiútaia, colocar os marcos que delimitam as fronteiras entre a Tailãndia e a Birmânia, nas linhas que actualmente, hoje, se encontram.
Com os birmaneses escorraçados de Aiútaia há que consolidar a defesa e então o General Taksin embarca o seu povo, as gentes luso/tailandeses e as chinesas, e desce o Rio Chao Praiá ,instalando-se na margem esquerda, do lado de Tomburi, onde lhe seria mais fácil defender-se das investidas birmanesas, facto que nunca mais viria acontecer.
A paz chega e com esta a reunificação dos siameses.
Não muito distante da corte do General Taksin, que se introniza como o primeiro Rei da Era de Banguecoque, instala-se a comunidade luso/tailandesa, num lugar onde, de 1350 a 1369 ( na Corte do Rei Rama Tibodi de Aiútaia) tinha sido um importante posto de transacções e residência de mercadores, que depois foi abandonado.
Despojada dos seus haveres, pobre, a comunidade terá que começar do nada, no quinhão de terra doado pelo Rei Taksin, o Grande (assim cognominado pelo siameses) que não só lhe oferece um solo como madeira para construir casas e igreja para a prática do culto católico. Comunidade assistida espiritualmente por padres do Padroado Português do Oriente, vindos de Macau ou de Goa.
A comunidade católica de Santa Cruz, sem se conhecer o número exacto de almas que ali se instalaram, começa, assim, a construir as suas residências, com as madeiras oferecidas por Taksin e num espaço que terá de ser, muito bem aproveitado para que todos se possam acolher e possuir um tecto que os abrigue. Ficam vielas, serpenteadas e estreitinhas, casas de tabuinhas e, muitas destas construções vão sobrevivendo ao longo de mais de dois séculos.
Pequenas indústrias caseiras, como forma de sobrevivência começam a nascer, genuinamente portuguesas e aprendidas no “Bangue Portuguete”. Nas várias, surge o fio de ovos (Foi Tongue) já popular e levado à mesa do Rei, em Aiútaia, e ensinado e confeccionado pela mão da ilustre lusa/japonesa Maria Guiomar. A juntar a esta especialidade há ainda outros doces de ovos e os queques, bem portugueses que ainda continuam a ser vendidos nas bancas de rua, no Sampengue (local da comunidade chinesa na margem oposta do rio Chao Praiá), no Bairro de Santa Cruz e à sua volta.
A primeira igreja é inaugurada a 14 de Setembro de 1769, no dia de Santa Cruz e quando, ainda, os missionários do Padroado Português do Oriente assistiam espiritualmente a comunidade. Em 1916 o velho templo foi destruído e toma-lhe o lugar outra, no estilo arquitectónico francês,na qual foi instalada um carrilhão, no interior da cúpula, frontal, da igreja e no exterior, à volta, construído um muro, onde é colocado a Flor de Liz.
Nesta data passam os missionários da Propaganda romana a administrarem a paróquia, dado que as súplicas dos missionários enviadas para Goa, no sentido de serem enviados padres para Banguecoque, não são atendidas.
Em 1937 o Cônsul de Portugal no Sião, o Dr. Joaquim Campos, que além das funções de diplomata exercía a profissão de médico e, também, a dehistoriador sobre a expansão portuguesa na Ásia, autor de :“ Os Portugueses em Bengala” (Bangladesh) e “Early Portugueses Acount of Thailand”, e num ofícío informava a Secretaria de Estado sobre o Bairro Português de Santa Cruz e o da Imaculada Conceição (em Samesem) do seguinte modo:
“Estes Campos foram concedidos aos portugueses para residência e fins religiosos, em cuja consequência o Padroado tomou conta deles. Ao menos não encontro documento nenhum para provar que foram concedidos ao Rei de Portugal. Faço a distenção propositadamente entre os Campos concedidos ao Rei de Portugal e ao Padroado porque no caso primeiro não pode haver nenhuma objecção em princípio para fazer valer em Roma os direitos do Estado. No segundo caso, isto e bens do Padroado, e outra questão que não sei se o Ministério da Fazenda estaria disposto a abrir. Na Índia Britânica por exemplo há vastas propriedades do Padroado que passaram a Propaganda. Em Bengala uma grande propriedade foi concedida pelo Imperador Mogol Shali Jahan ao Rei de Portugal e depois passou ao Padroado.
Em Nagori (Bengala) o Padroado comprou uma aldeia vasta que hoje vale muito. Tudo isto creio que passou às mãos da Propaganda e vamos este facto curioso que aplicam-se as rendas dos bens do Padroado para sustentar o pricípio que as rendas dos bens do Padroado espalhadas pelo todo o Oriente devem constituir um fundo para as despezas das Missões Portuguesas. Não é da minha competência tratar destas coisas. São apenas ideias que me ocorrem vendo as coisas do Sião”.
Joaquim Campos alertava a Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros sobre a usurpação dos terrenos, que tinham sido doados à comunidade luso/descendente, pela Propaganda. Mas já antes, em 1858.
Com os anos a comunidade luso/tailandesa foi desaparecendo e hoje, no ano 2003, a identidade lusa foi se perdendo e ficou somente o nome do bairro, em língua portuguesa.
A igreja do Vaticano há uma meia dúzia de anos, no Bairro de Santa Cruz, apoderou-se do cemitério, profanando-o (outro seria o da rua da Silom, no coração de Banguecoque) para servir de residência do clero e escolas.
Sobre estas duas profanações, eu enviava, em 8 de Julho de 1996, uma correspondência de Banguecoque para a Agencia Lusa em Macau:
PROFANAÇÂO DE CEMITÉRIOS
“O jornal “The Nation” de Banguecoque publica na edição desta manhã a fotografia de uma residente do Bairro de Santa Cruz, em Thomburi, expondo duas lápides com a fotografia dos seus pais, que estiveram sepultados em campas no cemitério do bairro de raizes portuguesas e fundado pouco depois da queda da segunda capital da Tailândia, Ayuthaya em 1767.
O cemitério foi extinto há cerca de 7 anos. Nas partes laterais foram construídos muros, inseridos neles gavetas, onde foram depositadas as ossadas exumadas. Passado dois anos, as gavetas do lado Sul foram eliminadas e transferidas as referidas ossadas para um pequeno espaço vedado com rede de arame.
A mesma eliminação está a ser levada a cabo, no antigo Cemitério da Silom Road. Da maior parte dos túmulos já foram retiradas as ossadas pelos seus familiares, segundo uma fonte a que a Lusa teve acesso.
Outra fonte informou a Lusa, que o cemitério, apesar de nele terem sido enterradas milhares de pessoas durante decénios pertence a uma família luso/tailandesa de nome Xavier, que procura desocupar o cemitério, para fins que ainda são desconhecidos.
Entretanto um jornal matutino de Banguecoque há cerca de seis anos, noticiou que a Santa Sé tinha intenções de transladar as ossadas para um cemitério a construir em Nakhon Pathon, a cerca de 50 quilómetros da capital tailandesa e construir no espaço profonado uma escola.
Os terrenos na baixa banguecoquiana, devido ao desenvolvimento económico que o país atravessa, estes espaços estão atingir preços astronómicos, para dar lugar a edifícios de dezenas de andares”.
José Martins/ Revisão técnica do texto: Ana Flor