As
três Igrejas portuguesas em Banguecoque – Tailândia
NOSTALGIA DO NATAL
Em
Banguecoque
Na
mesa da minha ceia de Natal, em Banguecoque, não há aquelas iguarias que
minha Mãe ,que Deus lá tem, confeccionava para a noite de consoada onde
não faltavam umas filhós de farinha de trigo, que depois de fritas eram
granuladas com acucar amarelo; uns bolos de abóbora; uns pratitos de aletria;
um requeijão do rescaldão fervido, que tinha saído da coalhada e que iria,
depois, acabar no saborosissimo queijo da Serra da Estrela.
Para
complementar a
Ceia do Natal, o meu Pai escolhia um borreguito para ser sacrificado e melhorar
a gastronomia da ceia de Natal, da casa da Rua da Fonte. Claro, como tradição,
havia o bacalhau cosido com batatas, uma penca da horta ou uns grelos retirados
do cimo dos caules da couves do quintal que ficava na parte de trás da nossa
casa.
A
mesa de pau de pinho, onde já os meus bisavôs, avôs e agora nós os quatro da
família, era colocada na lareira de duas lajes a um meio metro do soalho cujo
este nos servia de bancos. Umas cavacas sempre arder que nos aqueciam e
protegiam da noite fria, motivada pelo nevão da serra.
A
Ceia de Natal, na minha casa.,
a uns quatro quilómetros do rio Mondego e um pouco acima do sopé Serra
da Estrela, era
um jantar de família, tradicionalmente remediada, de pastores e lavradores
da Beira Alta. Depois da Ceia ía-se assistir à Missa do Galo e no dia
seguinte, vinte e cinco, beijar imagem do Menino Jesus, deitado na manjedoira,
em cima de umas palhinhas, depois da celebração da missa.
O
dia de Natal além da festa do Deus Menino era também a festa da miudagem, das
moças namoradeiras e dos rapazes já na proximidade das sortes. O dia de
estrear uns sapatos novos com solas de borracha, compradas na loja de atanados,
em Viseu; umas botas de sola cardadas ou de rasto de
pneu careca de uma camioneta ou de um automóvel.
Toda
a malta botava figura com as suas novas “encadernações” do Natal, no adro
da igreja. Depois tudo servia de motivo de conversa, de inveja e de crítica no
almoço do dia de Natal... o jovem mal-azado ao qual não
assentava bem a fatiota que o alfaiate, da rua corrente, lhe havia feito,
com fazenda de surrobeco ; o xaile de merino que a rapariga, já casadoira e de
faces de cor romã, exibia
e que fora comprado pela mãe na Feira dos Santos, em Mangualde.
Natais,
passados por mim, na minha aldeia foram poucos. Quase não dei por eles! Contudo,
ficaram bem evidentes e patentes
na minha memória e deles me recordo com imensa saudade.
Nós
viajamos no tempo e inseridos na diáspora os meus natais foram ficando para trás...
hoje estava num país, depois noutro, amanhã num outro, e assim não dei por
eles... Tornaram-se, apesar da tradição não ser a da minha aldeia, nuns dias
sentimentais que até, dentro das minhas andanças pelo mundo de Cristo, eram
vividos com prazer, dentro de uma agradável nostalgia.
Muitos
foram os natais já passados e de alguns guardo agradáveis lembranças. Não me
esqueço de um em particular... passado na Rodésia (Zimbabwe) há uns vinte e
quatro anos, na varanda do famoso hotel “Elephant Hills”, junto à margem,
remansosa, do grande rio Zambeze, um pouco antes da jusante está a estátua
do missionário Livingstone, o símbolo glorificante do descobridor das
cataratas e que a estas lhe foi dado o seu nome (que não creio!), junto ao
abismo, onde as àguas se despenhavam em cataclismo enevoando e humedecendo a
atmosfera.
O
“Elefant Hills” hotel havia sido, uns meses antes, o local onde a divina
Elizabeth Taylor e o actor Richard Burton tinham gozado a sua lua de mel. O cenário
do majestoso Zambese, a cidade de Livingstone na Zâmbia, na outra margem,
fez-me esquecer, ao por do sol, o Natal da minha aldeia. Só mais tarde, e
quando chegado ao Victory Falls Hotel me lembrei que ainda tinha
à espera a minha consoada!
Debaixo
de uma frondosa e secular árvore, uns cinquenta turistas, de diversas
nacionalidades, sentados em cadeiras de verga, saboreavam bifes grelhados nas
brazas, cujo tamanho cobria o fundo do prato. Durante o repasto saí das
estribeiras bebendo
duas meias garrafas de Dão tinto. Ao fim da ceia vi as luzes, à minha volta,
em rodopio. Saí para o parque onde havia, horas antes, estacionado o meu carro,
abri a porta da frente e sentei-me totalmente arrelampado.
Duas
moças, dirigem-se a mim e dizem-me: “Could you please give me a lift to go to
the midle night church mass?”
Respondi-lhe: “Yes, I do but you drive my car I cannot in conditions to
do it…..” E
foi assim, que fui levado de boleia, no meu carro, conduzido por uma jovem
australiana, para a Missa do Galo
e depois trazido de volta ao hotel!
Em
Banguecoque desde há muitos anos, nas noites de consoada, não tenho faltado a
uma Missa do Galo. Visito as três igrejas portuguesas e, ainda (valha-nos ao
menos o nome) conhecidas
por Imaculada Conceição, Santa Cruz e Senhora do Rosário. No dia vinte e
quatro começo a visita pelas sete horas da manhã tirando fotos às cerimónias
que por lá há, que por norma são dedicadas à criançada que frequenta as
escolas das referidas paróquias.
Começo
pela paróquia da Senhora do Rosário que fica no término da rua Captain Bush
Lane (a da minha poesia http://www.aquimaria.com/html/aboutth.html
), a umas três centenas de metros da Embaixada de Portugal. O terreno onde foi
construída a igreja foi oferecido aos missionários portugueses, por S.
Majestade o Rei Rama II, no príncipio do século XIX.
Junto
ao templo, outros terrenos são concedidos à comunidade luso/descendentes,
nomeadamente à comunidade macaense, para aí construírem as suas habitações
ao lado da igreja .Casas que eu ainda conheci, terreas, semelhantes às de
Macau. Estas moradias destruídas há meia dúzia de anos e no seu lugar construídas
residências, creio para alojar o clero e escolas
Lá se foi a memória das casas que misturavam a arquitectura chinesa com
a portuguesa e das outras de madeira de teca que davam uma
aurea romântica do tempo em que a baixa ribeirinha, banguecoquiana,
tinha ali começado isto no longínquo ano de 1782 e que com os anos não parou
de expandir-se, até aos dias actuais, com um perímetro de uns 250 quilómetros
e mais de 10 milhões de almas.
Centenas
de crianças, quasi a totalidade de raizes da religião budista, festejam o
Natal e, embora não assistam à Missa do Galo, o dia 24 de Dezembro é um dia
especial para elas. Em todas as paróquias portuguesas de Banguecoque à jogos,
rifas, música, espectáculos cujo o tema é o nascimento do Menino Jesus.
No
começo da noite os paroquianos dos três bairros têm a sua ceia de consoada,
uma mesa de família que colocam fora de suas casas e na berma da rua. Uma
consoada sem bacalhau mas muito farta de comida e tradicionalmente
portuguesissima.
Depois
da Ceia de Natal a Missa do Galo, cujo o padre celebrante é tailandês e a
liturgia na mesma língua nas três igrejas portuguesas que foram primorosamente
ornamentadas e iluminadas.
José Martins/Revisão do texto: Ana Flor