Memórias da Ásia
(Eu e Macau)

Deambulo pela Ásia há 26 anos.

Não visitei todos os países mas grande parte: Birmânia, Cambodja, Índia, Hong Kong, Filipinas, Macau, Sri Lanka, Singapura e, claro, a Tailândia onde vivo, permanentemente, há 24 anos, e que conheço há 26.

Começo por Macau que visitei pela primeira vez há 22 anos. Terra composta de duas ilhas: Taipa e Coloane e a península de Macau, nessa altura, o progresso ainda não tinha chegado ao território chinês sob a administração portuguesa.

Foi por acidente que de facto cheguei a Macau!

Servia como mecânico supervisor na “Geophysicall Serviçe Incorporation” (Subsidiária da Texas Instruments) na prospecção de ramas de petróleo na Arábia Saudita.

Trabalho que me deu oportunidade de viajar pelo mundo e ter conhecido uns 72 países (nestes estão incluídos os de África por onde andei por 16 anos).

Profissão de certo modo árdua e sujeita aos rigores, climatéricos, do deserto e, também à rigidez do sistema, da exígua liberdade, imposta pelas autoridades sauditas.

Proibição de bebidas alcoólicas, cortejar, com um bom dia que fosse, uma mulher, nem mesmo dirigir-lhe um sorriso. Isto poderia causar, ao gentio, uns anos de cadeia com vergastadas extra. O adultério é condenado com o degolamento dos dois intervenientes.

O puritanismo existia no país, dos homens vestidos de robes brancos e as mulheres de túnicas finas, de cor preta, a cobrir-lhes a cabeça até aos calcanhares e incluindo os rostos.

Lamentei essas pobres senhoras a quem as leis do Islão não lhes permitia mostrar a beleza com que Deus nosso senhor as dotou.

Infelizes escravas, do amor, desses senhores que poderiam, segundo o Alcorão, ter as mulheres que quisessem assim fosse a riqueza e o dinheiro, para as adquirir, e tê-las, depois, sob: assim, assim, em escravidão.

Em Portugal, no Porto, no princípio do ano 1977 assinei um contrato com a Texas Instrumentos cujo ordenado de 38 contos, mensais, era importância para não desprezar. Correspondia a cinco meses de trabalho, como mecânico, na empresa J. Cândido da Silva, em Ramalde, arredores da Cidade Invicta.

Além do excelente ordenado, tinha viagens pagas de avião, a cada seis semanas de trabalho, da Arábia Saudita ao aeroporto de Pedras Rubras.

A razão da minha partida, foi que depois 16 anos emigrado em África, e quando regressei a Portugal, o país não tinha progredido nada!

Recordo-me que pouco depois de ter regressado da Rodésia (hoje Zimbabué) viajei, de comboio, do Porto até à estação de Gouveia e durante o trajecto tomei lugar num assento junto a uma janela. Olhava o cenário para além da linha e este encontrava-se igual, aparte de umas casas, construídas pelos “franceses” (nome dado aos emigrantes portugueses na Europa) como há 16 anos.

As mesmas estações, as mesmas vinhas e olivais e pouca gente a trabalhar as terras.

Encontrei tudo, mas tudo, pior do que quando parti, a bordo do navio “Pátria”, para Luanda, no ano de 1961.

Discutia-se muito a política em Portugal, paredes de casas e muros “borrados” com o desenho da foice e o martelo e outras frases, de inspiração política, e muitos termos “bacorais”.

 

 

 

Numa parede em letras garrafais: “Albânia o Farol do Socialismo”. Isto não correspondia à verdade dado que este país estava fechado ao Mundo democratizado e até mesmo a certos países de regime, duro, comunista.

Sou apolítico, embora, me dê uma certa satisfação criticar os maus políticos e os que escolheram os meandros politiqueiros, como forma de se acharem no mundo, como excelentes fraseadores que quando “disparam” palavra, esta, nunca esta chega à acção.

Simpatizei com a falecida e irreverente jornalista Vera Lagoa e tornei-me assíduo leitor do seu jornal “O Diabo”. A Senhora “malhava”, a torto e a direito, nos políticos activos que não se inseriam na linha do seu pensamento político, frente à situação de Portugal do momento. 

Admirei essa mulher pela sua coragem de fazer frente a políticos que, num Portugal com uma boa parte da população pouco sabida, se movimentavam na procura do Poder com discursos demagogos, cujas palavras eram semente “bichada” que não germinava na terra onde fosse semeada.

Vamos, assim, no ano de 2004, ao cabo de 30 anos de ter acontecido em 25 de Abril de 1974 a “Revolução dos Cravos”, e o Povo português não atingiu a identidade económica, educativa, as facilidades prontas dos serviços da saúde!

Lá liberdade parece que há em demasia....mas “água benta e extrema-unção” cada qual toma a que melhor lhe prover.

A partida dos portugueses para outros países em procura de outro viver e, outros emigrantes, estrangeiros, legais ou clandestinos, a invadir Portugal certamente, no futuro, coloca em risco a identidade lusa. Povo crédulo e com a esperança que a liberdade e a democracia apregoada pelos líderes dos partidos, que surgem na praça pública como cogumelos venenosos.

 

                

Um domingo à tarde, no princípio do ano de 1977, havia uma marcha de protesto que partia da Avenida dos Aliados em direcção ao Campo de Santo Ovídio (Praça da República) encabeçada pela Vera Lagoa.

Em verdade não sabia qual seria o protesto da jornalista e para que “pândegos” políticos era dirigido.

Meti-me no cortejo fazendo monte e quase a chegarmos ao quartel rebentou uma bomba, debaixo de um carro, na Rua de João das Regras, que fez levantar a viatura e estilhaçar os vidros das janelas de meia dúzia de casas.

Mandei os cortejos, políticos, às urtigas, esse foi o último em que me incluí até sempre.

No final de um contrato de dois anos, prorrogável, e com um saldo a haver na agência que me emitia os bilhetes de avião (saldo devido a não viajar todas as seis semanas a Portugal e ficar por países mais perto do local de trabalho), e mais uma “bagatela”, tive direito a uma viagem à volta do Mundo.

Princípios do mês de Novembro empreendi a minha almejada viagem a bordo de um Boeing 747 da “Singapore Airlines”.

Princípio a rota pelo Oriente, Pacífico, Estados Unidos, Europa e novamente de regresso à Arábia Saudita.

Depois das Filipinas tive uma escala em Hong Kong, chegando no final da tarde. Hospedei-me num hotel de três estrelas.

Ao escurecer caminhei numa rua à volta do hotel, absolutamente calma. Um letreiro na montra de um pequeno restaurante anunciava “Vitela Portuguesa Estufada”!

Nesse momento veio-me à ideia: porque não uma saltada a Macau?

Se o pensei melhor o fiz ao outro dia!

Sacrifiquei a escala por Tóquio onde, já informado, se dormia numas “gavetas” e o resto era muito caro, de tirar os olhos da cara.

Entrei no restaurante, sentei-me e pedi o típico prato português.

Mas que maravilha uma prato luso em Hong Kong!

Para quem já seguia enfastiado das comidas americanizadas das ementas da Arábia Saudita e falto de umas batatas cozidas com bacalhau; um cozido à portuguesa com todos; uma vitela estufada estava mesmo a calhar para a minha ceia naquela noite em Hong Kong.

Sentei-me a um canto da sala do restaurante e veio até mim um empregado de toalha branca pela cintura. Pedi-lhe a vitela estufada.

Para sorver e abrir-me o apetite, pedi uma meia garrafa de tinto da Bairrada.

Esperei, apenas, uns quinze minutos para que o meu ambicionado prato chegasse.

Sabia e bem que a vitela não iria ter o paladar igual ao do restaurante do “Tavares” de Lisboa, mas,sim,sim, servia mesmo para matar saudades da culinária portuguesa.

Chegado o prato verifiquei que aquilo nada tinha a ver com carne de vitela, vaca, cabra ou borrego....

Fatias finas de carne cobertas com esparregado de vegetais com um molho amarelo que não consegui identificar o paladar que nada tinha a ver com o sabor português!

Estupefacto perante o desengano acontecido, barafustar num restaurante chinês e na terra da gente dos olhos amendoados é modo que não acerta lá muito bem.

Comi parte, fiz papel de bom lusitano, para não desgostar o empregado de mesa “Tachim-fong”, e que não lhe achava piada alguma quando me “arreganhava” os dentes oferecendo-me sorrisos a cada momento que lhe colocava à mostra os maxilares onde tinham sido colocados dois dentes de ouro.

Maldito prato que me fez andar numa fona, durante a noite, da cama para a casa de banho!

Cedo, na manhã seguinte, já desintoxicado da ruim comida do jantar, dirigi-me para o cais de embarque dos “Jet-foil” e o meu destino seria navegar durante 45 minutos para atingir Macau.

Um território de que eu tinha ouvido o nome, em pequeno, na minha “santa parvónia”, e que diziam ser a terra onde havia árvores que me vez de darem peras ou castanhas produziam “patacas”!

Também não seria necessário trepar-lhes.

Bastava um abanão e no solo ficava um tapete de patacas mais ou menos igual às macieiras que não conseguiam, nos ramos, vingar todos os frutos, e que depois de caídos eram chamados: “a maçã dos porcos”.

Na confortável e curta viagem olhei os rochedos das montanhas e as ilhas e muitos juncos e outras pequenas embarcações que navegam em várias direcções naquelas águas, barrentas e serenas.

Pouco sabia de Macau além da lenda da “árvore das patacas”, e que o território tinha sido oferecido aos portugueses pelos bons serviços dos mareantes lusos que terminaram com os piratas no delta do Rio das Pérolas.

Conhecimentos adquiridos nos bancos da escola primária.

Porém, dentro de mim, existia um desejo patriota de conhecer a magia da longínqua terra que as Caravelas de Cristo idas do Tejo encontraram.

Sabia, também, que Luís de Camões, ali tinha vivido ao “Deus calha” numa gruta e ali ter escrito parte da sua imortal obra.

Na escola primária (altura em que a história de Portugal e da Expansão Portuguesa era matéria a estudar e a memorizar) o meu velho mestre exprimia, à classe, com patriotismo e a paixão, os feitos dos navegantes lusos depois de 1500.

E até, depois das tantas glórias lusas nos mares nunca dantes navegados; demagociamente a classe afirmava que os nossos aliados ingleses sempre que podiam surripiavam, a fazenda de El-Rei de Portugal, pirateando, as caravelas no alto mar e avançavam para além do limite das fronteiras dos territórios ultramarinos africanos; as terras descobertas pelos portugueses, no Oriente foram, também, objecto da cobiça dos holandeses que desde que estivessem em maioria no alto mar atacavam as tripulações e roubavam os carregamento das naus.

Depois dos holandeses terem conquistado Malaca em 1641, pretenderam obter pela força Macau em 1680, o que nunca aconteceu.

Mencionava o heroismo de Luís de Camões que depois de um naufrágio, no Mar do Sul da China, conseguiu nadar com um braço, segurando com o outro os Lusíadas.

Do Rio das Pérolas, ainda a umas milhas de distância, avistei Macau.

Uma terra  de casas pouco altas com uma igreja e um farol no topo de dois morros.

O “jet-foil” foi-se aproximando do cais de desembarque e acostou junto a uma passadeira por onde os passageiros chegavam aos serviços alfandegários, depois de percorrer uma centena de metros.

Naquele dia, com uma das várias corridas de automóveis do “Grande Prémio de Macau”, o trânsito estava condicionado e privado aos automóveis.

Carrejões que por ali havia, levaram-me a bagagem através de uma ponte, improvisada, em cima da pista de corridas.

Ali um táxi/triciclo pedalado levou-me pelo interior do circuito até outra ponte próximo do Hotel Lisboa, que ainda não tinha sido ampliado nem tinha a grandeza dos vários pisos dos dias de hoje.

Chegado à recepção do hotel, para fazer marcação, uma senhora macaense e bem falante da língua portuguesa informa-me: o hotel para hoje está cheio... mas depois de amanhã arranjo-lhe quarto.

Pedi para me fosse guardada a bagagem a um canto e venho para a entrada do hotel em procura de alguém que me ajudasse a descobrir dormida, em Macau, para duas noites.      

A entrada do Hotel Lisboa (casino durante as 24 horas dos ponteiros do relógio), situava-se ao cimo de duas rampas, em leque ascendente/descendente e ao meio uma escadas que dava para um largo onde estava a estátua de Ferreira do Amaral, em cima de um cavalo, empinado e de espada numa das mãos. Ferreiro do Amaral tinha sido Governador de Macau e foi assassinado junto às “Portas do Cerco” a 22 de Agosto de 1849 pelos chineses.

Um homem já entradote nos anos trajava rigorosamente à campino e com um apito na boca.

Quedei-me por ali um bom quarto de hora a observar o abridor de portas dos táxis que chegavam à entrada do Lisboa. O campino não permitia a aglomeração de táxis na rampa que só a subiam quando o som do apito chegavam aos tímpanos dos motoristas de táxis chineses.

O campino lá iam abrindo as portas, de apito na boca e, ao fechá-las, umas vezes usava a delicadeza e outras com aspereza extrema. De cara estanhada, batia algumas, como que estas fossem um portão de uma quinta.

Não tardei a compreender porque o campino batia assim tão indelicadamente algumas portas... o passageiro não lhe tinha dado cinco patacas de gorjeta!

Interesseirice, interesseirice que era igual em Macau como em Portugal!

Bem, precisava de saber onde iria arrumar a bagagem, tomar banho e dormir a noite.

Desci meia dúzia de degraus da escada e dirigi-me ao abridor, campino, de portas de automóveis com uma certa cautela.

Isto porque o homem mudava de cara como o camaleão muda de cor a pele conforme o cenário que o envolve quando caminha.

É português?

O campino responde-me em pronúncia puramente beirã.

Parece que sim amigo!

Olhe “patrício” estou aqui enrascado, não consigo quarto para hoje aqui no hotel Lisboa...

Não há problemas amigo vai dormir comigo em minha casa!

Gaita, gaita, visitar Macau e ter que ir dormir com um homem....

Com um homem dormi, sim, de pequeno e já espigadote mas com o meu pai na choupana de palha junto ao bardo das ovelhas nas terras de nossa casa, que estas ao relento, durante a noite, estrumavam directamente os arretos que não tardariam a ser usados para semear a terra com batatas, chírraros e milho de sequeiro.

Olhei com certa estupefacção o campino de faz de conta.

Compreendendo o erro de sua resposta pouco simpática e conserta-a.

Não amigo, não vai dormir comigo mas na minha cama porque trabalho de noite e vou dizer a minha filha Albininha que mude os lençóis da cama!

E, seguidamente: aguarde uns minutos porque estou a terminar o meu turno e vamos já tratar da sua acomodação.

Muito se engana quem cuida!

Logo ali arranjei um amigo.

O senhor Encarnação tinha servido a polícia em Macau; reformou-se e ficou por lá; conseguiu emprego como abridor de portas de automóveis dos clientes do Hotel Lisboa.

Já sem a farpela de campino levou-me no seu carro e, já não foi necessário a Albininha trocar os lençóis da cama!

No caminho conseguiu numa pensão (Vila de Macau) quarto para duas noites.

Durante as duas noite, ali dormidas, várias vezes, no meu sono de homem justo fui sobressaltado pelo bater, nada simpático, dos agentes da P.S.P. (chineses) em procura e clandestinos. Depois vim a saber que mais de uma meia centena chegara da terra china a Macau em procura de melhor vida e liberdade.

Acertámos que passado uma hora me iria buscar à vila para almoçarmos.

O bom homem vindo da terra do bom presunto e do melhor vinho, era de facto um patrício, hospitaleiro, à boa maneira beirã.

Em Macau nessa altura não viviam muitos portugueses metropolitanos.

Havia, creio, uma companhia de tropa instalada no quartel em cima de um morro; Polícia de Segurança Pública com praças em comissão de serviço; Polícia Marítima e uma comunidade de funcionários administrativos ida de Lisboa.

Era governador Almeida Costa por quem, também ouvi, os portugueses, residentes, não nutríam muita simpatia.

A eterna insatisfação do homem luso que nunca se sente bem com a vida e governo que tem!

O Sr. Encarnação levou-me à ilha da Taipa, pouco urbanizada. Do lado direito da estrada estavam as instalações e a pista onde havia corridas de cavalos de trote.

A Taipa era composta por um montão de casas, bastante antigas, o edifício da Câmara Municipal da Taipa, umas fábricas de panchões e fósforos desactivadas.

O meu cicerone levou-me a um restaurante, instalado num barracão e propriedade de um macaense, “ O Pinóquio”.

Rapaz jovem, bem falante. Na sua casa de pasto confeccionava-se, e de primeira qualidade e sabores, os pratos mais populares da gastronomia portuguesa.

Mandei, então, fazer, para dois, uma bacalhoada cozida com todos que depois foi regada com verde Alvarinho.

Durante os dias que me quedei em Macau “O Pinóquio” teve-me como cliente.

Terminada a euforia do grande prémio de Macau, que terminou no Domingo à tarde, a cidade voltou ao normal.

Os “jet-foils” despejam e levam os passageiros para Hong Kong que por um dia ou dois vieram a Macau para jogar nos três casinos: Hotel Lisboa; Jai-Alai (onde se jogava a pelota Basca) e um flutuante no Porto Interior (Macau Palace). Hotéis: O Central (antigo) o Sintra e o Bela Vista.

José Martins

 

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