Damião de Góis, Vida e Obra

 

Damião de Góis nasceu em Alenquer em 1502.

 

Rui Dias de Góis, seu pai,  fidalgo ao serviço do Infante D. Fernando; pai do Rei D. Manuel  exercía o alto cargo de Almoxarife em Alenquer. Sua Mãe, a Senhora D. Izabel Gomes de Limi era de etnia flamenga.

 

Damião de Góis, com apenas 9 anos de idade frequenta o Paço do Rei D. Manuel I e assim os seus primeiros passos no estudo das letras sob a benção da Rainha D. Leonor,  viúva de D. João II.

                 

Moço de câmara, aos 19 anos, de D. Manuel I, o que indica Góis, em 13 de Dezembro de 1521, está presente ao último suspiro do monarca Venturoso.

Damião de Góis,  um jovem talentoso é  possuidor de uma instrução de alto nível e esta fora-lhe  ministrada dentro dos muros palaciais que o eleva a um excelente diplomata e um  óptimo elo de ligação entre as  personalidades  de países da Europa e a Corte de D. João III que constantemente visitavam Portugal.

 

Antes de nos aprofundarmos na vida e obra de Damião de Góis  apraz-nos mencionar que o erudito e  humanista nasceu no século dourado da história portuguesa. Enormes vulgos, seus contemporâneos, elevam Portugal no Mundo como um país de grande prestígio.

São eles: Vasco da Gama que abre o caminho marítimo para a Índia ao Ocidente; Afonso de Albuquerque que consolida, devido à sua inteligência e heroismo, obter para Portugal a totalidade do comércio oriental com a conquista de Goa em 1510 e um ano depois Malaca; Pedro Álvares Cabral  descobre as Terras de Santa Cruz; Luis de Camões escreve os Lusíadas que cantam a Epopeia lusa; Francisco de Xavier, o Apóstolo das Índias (embora castelhano serve o Rei de Portugal); tenta cristanizar todo Oriente e em especial a China; Fernão Mendes Pinto que mais tarde escreve a “Peregrinação” e nesta conta as suas aventuras, costumes e histórias no Oriente, com tal veracidade, que a mentalidade portuguesa, da época, não as aceita e o chama-lhe “mentiroso”. Outras figuras de igual relevo vivem no período de Góis que contribuem para a mudança do Mundo e aproximam os povos dos cinco continentes.

Portugal no reinado do Rei Venturoso entra no auge das descobertas e  a Lisboa chegam as mais diversas mercancias do Oriente. A corte recebe representantes de outras monarquias  da Europa cujos objectivos era o de concretizar negócios relativos aos produtos chegados, ao Tejo, nas naus carregadas nos depósitos do Reino em Goa onde eram armazenadas as especiarias, a pedraria, a cânfora, o gengibre chegadas de Malaca e de outras Feitorias instaladas ao longo das costas dos mares da Àsia.

 

A permanência desde muito jovem no palácio do Rei Venturoso confere a Damião de Góis uma instrução, protocolar, exímia que o ajusta, perfeitamente, aos moldes da  anfitrialidade que a Corte do Rei Venturoso necessita para os negócios do Reino com o exterior.

 

Com o aprendido, na Corte, pelas ligações com diplomatas e homens de negócios  Góis ( como outro jovem de sua idade), espera concretizar as suas ambições e, como é óbvio, a sua realização, pessoal  e,  nos seus objectivos, vive, a ansiedade e o sonho de conhecer centros de estudo da Europa; aperfeiçoar e moldar o seu ser que têm  como base a ciência das relações internacionais, dentro do contexto das ligações, com uma Europa, já muito mais avançada, intelectualmente, que Portugal.

 

Portugal tem consolidada a presença na Índia graças a Afonso de Albuquerque; o comércio da Costa do Coramandel;  conquistado  Malaca o entreposto, central, de todas as permutas do Oriente; firmado o Acordo de relações diplomáticas, de navegação e amizade com o Reino do Sião (o primeiro de toda a Ásia), conhecidos os portos dos Mares do Sul da China e a Damião de Gois não lhe passa despercebido a grandeza de Portugal e, pretende não só satisfazer a grande vontade de enriquecer a sua sabedoria, como assim, com o aprendido nesses países, voltar à Pátria e ministrá-la as seus contemporânios.

 

D.João III admirador, ferveroso, da erudição protegeu o jovem Damião Góis e nomeia-o escrivão da Feitoria de Flandres e Antuérpia (Bélgica) onde nesta última cidade se localiza  uma praça forte e o porto marítimo  mais significativo da Europa onde além de  serem transaccionadas as mercadorias orientais é também um entreposto, importante, de comércio de obras de arte e pedraria.

                          

D. João III e, assim se compreende, dada a grandeza do Reino  projecta, para Portugal, a modernização e envia para França 64 bolseiros para se instruirem; aprenderem a língua e outros místeres educativos e, no grupo de alunos não se enumera Góis dado que já  era possuidor de uma formação intelectual de craveira alta em que o valor  dos seus conhecimentos vão ser aproveitados no relacionamentos da Corte portuguesa  com o exterior.

 

O monarca Piedoso nomeia Góis (embora, esta se compreende, dentro do sentido de apadrinhamento não lhe é  ignorado que o ex-camareiro de seu Pai possui dotes, elegantes e de fácil maneabilidade nas relações internacionais) e na sua visão correcta Góis será a pessoa certa como excelente representante e o elo de ligação entre Portugal, a Flandres e a Alemanha para as transacções dos produtos, principalmente, do Oriente e com menos significado os  chegados do Brasil.

 

Damião de Góis intelectual, erudito e artista movimenta-se num meio  de superabundância de riqueza, de  arte e aprende muito e abrem-se-lhe novos horizontes que o levará ao encontro do sucesso. Assim de escrivão de Feitoria chega a representante de negócios de El-Rei de Portugal e efectua importantes negócios.

 

Em 1529 Góis é um enviado especial à corte de Polónia e permanece uns tempos em Wilna e Dantzik. No mês de Agosto de 1530 está em Amestardão e em 1531 volta à Polónia. Ali havia conversações e ajustes para o projecto do casamento do infante D. Luiz que nunca se viria a concretizar e, igualmente como o, previsível, casamento da princesa D. Maria que voltam em factos notáveis, da época, onde neles se envolvem mais os interesses políticos e económicos do que o amor.

 

Damião de Góis movimenta-se na Europa em missões diplomáticas  como embaixador plenipotenciário representando a corte de D. João III. Frequenta os salões azúis das cortes da Dinamarca até à Suécia onde trava conhecimentos e relações, amistosas, com linhagem nobre da época.

 

Lida de perto e enceta relações com os famosos e considerados hereges, da época, pela Igreja do Vaticano: Martinho Luthero; Felipe Melancthon; Sebastião Munster e o célebre Erasmo. Convívios que mais tarde Góis viria a pagar por alto preço e o ajuste de contas, sentado no banco dos réus durante o  julgamento e enfrentar as acusações, heréticas, que sobre ele pendiam sem hipótese de defesa, no   Tribunal do Santo Ofício.

Ascendia-se nesses países, da Europa, a luta religiosa onde a propaganda quer transmitida por palavras, em sermões, escritas no papel é levada ao público com o propósito de provocar a revolução da religiosidades e mudar as crenças. Luthero lidera a revolta protestante contra a igreja do Vaticano e faz-lhe fendas profundas que divide a Europa.

 

Mas Góis entusiasmado pelos feitos dos navegadores portugueses nas descobertas de novos mundos onde nestes estão incluídas terras da América e do Oriente, prefere, divulgar a epopeia lusa, em opúsculos, do que se inserir nos assuntos, divulgadores, da sobrenaturalidade que se sobrepôem  às leis da Natureza.  

 

Damião de Góis sabia que havia a necessidade de levar ao mundo europeu; a todas as classes a vulgarização das descobertas portuguesas porque tudo isto contribuiria para relevar, mais ainda, o prestígio que Portugal já gozado nos meios europeus como o detentor de todo o comércio mundial. Como é sabido veio a destroçar, os mercados, monopolistas, milenários de Veneza, Génova e Piza onde de todo o Oriente chegavam toda a natureza de mercancia.

 

Góis escrevia pequenas monografias onde relatava a progressão das descobertas lusas no Oriente; as conquistas pelas armas; os hábitos das gentes; a fauna e a flora; os climas dessas novas terras onde incluia as misteriosas  terras de Preste João e da Índia.

 

Em 1533 D. João III nomeia-o tesoureiro da Casa da Índia e rejeita a honraria do alto cargo.  

 

Nos horizontes  de Damião de Góis está a Europa!

 

A sua permanência, no continente, durante alguns anos, leva a que o erudito não se sinta confortávelmente em Lisboa; entre as invejas e “raivinhas” e, também, sabia que a serrilha da foice, tenebrosa, do Tribunal do Santo Ofício estava empunhada para lhe ceifar, na primeira oportunidade, a vida na fogueira, inquisitorial, acesa na Ribeira de Lisboa.

 

A 23 de Outubro de de 1541, assim aconteceu ao sapateiro Gonçalo Eanes Bandarra, de Trancoso, que a Inquisição (pregador do acto Frei Luis de Monte, eremita de Santo Agostinho, eleito bispo de Viseu), não teve coragem de o queimar vivo dado à leitura, por ele próprio, dos seus poemas, que são considerados bossais e sem qualquer sentido profético. Um “pobre diabo” beirão poupado às labaredas da fogueira inquisitorial.

Gois mais uma vez está na  Alemanha, em 1534, o seu amigo Erasmo dá-lhe hospedagem; viaja, ainda, no mesmo ano a Itália e fixa residência em Pádua onde permanece por uns anos e convive de perto com o Cardeal Jacob Saddoleto.

                           

Tudo indica que Damião de Góis durante a sua permanência na Flandres  tenha simpatizado e enamorado com Joanna de Hargen que pertencia a uma familia nobre holandesa. Efectua uma viagem a Pádua e regressa a Flandres, em 1538, para casar com Joanna.

Sem se poder avaliar, muito claramente, o motivo porque Damião de Góis se divorcia dos assuntos de Portugal, depois da celebração do casamento com Joanna de Hargen, inicia viagens: a Roma, às cortes França, Inglaterra, Hungria e Boémia.  Depois destas visitas, Góis fixa residência em Lovaine, capital do Ducado de Brabante. Utiliza o seu tempo e aplicando-o na escrita, na arte e em composições musicais.

 

As tropas francesas, em 1542, cercam Lovaine.

Temos agora Góis numa nova fase de vida e, juntamente com mais três notáveis flamengos são apontados pelo Senado para proteger a praça. O flamengos desertaram e Góis só, defende, ainda, brilhantemente a cidade mas acaba por capitular e levado preso para França onde viria alcançar a liberdade depois de ter sido pago um avultado resgate.

 

Carlos V, Imperador de Alemanha concede-lhe um brasão de armas como prémio dos seus excelentes serviços na Flandres. D. João III, conhecedor da inteligência de Góis incita-o para que regresse a Portugal. Em 1546, finalmente, está a residir em Alenquer.

Em Junho de 1548 D. João III nomeia como guarda-mór da Torre do Tombo.

 

O erudita Góis, sob a sua orientação, os documentos antigos onde estão os factos importantes da história de Portugal, já um Reino com 420 anos de existência a serem devidamente ordenados, em maços e colocados em gavetas.

 

O Cardeal D. Henrique, em 1558, regente do Reino por seis anos, até que D.Sebastião, atinja a idade para ser intronizado Rei de Portugal, encarregou-o de escrever a Crónica de D. Manuel. Em 1570, decorridos 10 anos é impressa, em 1566 e 1567, a primeira parte da crónica, Góis o cronista, diplomata e artista é elevado a figura pública atingindo a glória e a fortuna.

 

Habituado ao exuberantismo do viver, de anos,  em cidades de países de uma Europa onde prevaleciam as reuniões de alta sociedade, cosmopolitana, Góis realiza festas,semelhantes e faustuosas, na sua residência em Lisboa.

O erudita está na mira das invejas do Santo Ofício que o pretende aniquilar.

Damião de Góis está um velho de 70 anos e a sua eliminação é facto que o Santo Ofício não deseja riscar na página do livro onde foi escrito o seu nome para o levar ao estrado e o queimar para que seja consumada a vingança do seu relacionamento com as figuras contestatárias e opostas à doutrinação do catolicismo.

 

Um septuagenário admirado na juventude pelo Rei D. Manuel I e depois pelos seus filhos  o Rei D. João III e o regente Cardeal D. Henrique.

 

As denúncias surgem de ruim gente e invejosas contra o humanista que o acusam de ter convivido e feito amizades com os herejes: Luthero, Erasmo, Filipe Melancthon e Sebastião Munster. Góis procura conviver com gente, europeia, das artes, das letras e na política porque esse relacionamento lhe enriquecia, ainda mais, a sua sabedoria.

 

A Santa Inquisição em 1571 ordena a sua prisão. D. Sebastião não se opõe porque o clero, introduzido na corte, tinha-lhe moldado, desde criança, a sua personalidade, lavado o cérebo e fanatizado o seu ser com fé e supostas vitórias contra os inimigos, muçulmanos, da igreja.

 

Góis  um ano depois é julgado e poupado à fogueira inquisitorial e fica com residência fixa, a partir de 1572, dentro das frias paredes dos claustros  do Mosterio da Batalha.

 

Gois, humanista, durante a sua vida esteve sob as  artes de  malabarismo a  que o Rei D. João III  esteve sujeito às pressões do clero para que o Tribunal do Santo Ofício fosse introduzido em Portugal. O Papa Clemente teve determinadas  reservas e hesitações para a implementação do mesmo.

 

O clero tinha o propósito de eliminar os judeus em Portugal; confiscar-lhes os bens e consequentemente, com isto a preservação e a total influência, religiosa, junto da Corte, da Nobreza  e do Povo, da religião do Vaticano. A afronta  do judaísmo  lhe tomasse o lugar era hipótese muito vaga.

 

Os Reis, desde a fundação de Portugal, estavam sujeitos a prestarem vassalagem aos Papas. O clero com a cruz e a hiprocresia, a coberto  da religião de Jesus Cristo, que este a criou para que os Homens fossem livres e julgados com justeza praticam os crimes mais hediondos na sociedade portuguesa onde naquela época, nefasta, judeus, mouros ou mesmo os portugueses viviam num constante terror, das denúncias falsas pela prática de heresia que os levaria a sofrer torturas; aos julgamentos inquisitoriais; às  labaredas da fogueira  em espectáculos, “macabros”, assistido pela plebe, em praça pública.

 

As denúncias, falsas, era factos correntes  e, suficiente uma divergência, onde em causa não havia ofensa à religião (não escolhia mortos ou vivos) para que esta fosse aproveitada para consumar: vinganças e o “surripio” de bens ou a execução de um poderoso ou mesmo um “pobre diabo” mentalmente são ou louco para que estes servisse de exemplo e criasse  terror entre todas as  classes.

 

Góis ao escrever a  “Crónica d’el-Rei D. Manuel”, em vários capítulos, debruça-se sobre a perseguição da Inquisição aos cristãos novos e num, vamos encontrar um relato, transparente e impressionante cuja matança dos cristão novos, procedida, em 19 de Abril de de 1506, Domingo de Pascoela.( Embora, nesta data,não houvesse bula do papa Leão X que autorizasse a Inquisição em Portugal os julgamentos eram levados a cabo como já aconteciam na vizinha Espanha).

 

Góis ainda não tinha nascido e, como se prevê o humanista encontrou a história, do acontecimento,  triste, entre os documentos arquivados na Torre do Tombo de quando é o Guarda-Môr. Góis acredita (ou confia)  estar  sob a protecção do Cardeal Dom Henrique, o cliente que lhe encomendou a “ Cronica do Felicissimo Rei Dom Emanuel” (este diversas vezes a presidir autos de fé) e que, por tal, poderia denunciar as atrocidades, tenebrosas, da Santa Inquisição.

 

Um levantamento surgiu no dia 19 de Abril de 1506, no domingo de pascoela, contra os cristão novos: no mosteiro de São Domingos havia uma capela chamada de Jesus; num altar estava uma cruz com um Cristo crucificado e alguém  teria visto um sinal que o classificou de milagre.

 

Os que se encontravam na igreja não confirmam o sinal divino extraordinário.

Um cristão novo presente às cerimónias religiosas na ocasião disse: “que lhe parecia ser uma candeia acesa colocada ao lado da imagem de Jesus”. Uns homens de fraca condição social, presentes (segundo Damião de Góis) agarram pelos cabelos o judeu convertido, arrastam-no pela rua e queimam o seu corpo no Rossio. Ao local, e devido ao grande alvoroço, acudiu o povo. Um frade aproveitou-se da oportunidade de ali mesmo pregou um sermão. Incita a multidão à rebelião contra os cristãos novos.

 

Do mosteiro sairam para a rua dois frades que empunhando um crucifixo bradavam: “heresia! heresia!”. Pouco depois à  turba junta-se-lhe: marinheiros, tripulantes, estrangeiros de naus ancoradas no Tejo. Gente de péssima qualidade que juntos formavam mais de 500 pessoas.

 

Correram pelas ruas e matam os cristãos novos que encontram pelo caminho. Corpos mortos ou meios vivos são arremessados para as fogeiras acesas na Ribeira e no Rossio. Moços, escravos, deligentemente, carregavam lenha para alimentar a pira funerária.

Nesse Domingo  de Pascoela são mortas e queimadas umas cinco centenas de almas. A turma de homens maus, apoiados pelos frades, que a incitava à crueldade, na segunda feira continuaram a percorrer ruas e vielas em busca de outros judeus. Estes atemorizados, refugiam-se nas casas sem se atreveram a sair à rua.

 

Nem em casa escaparam!

 

A ralé subiu as escadas, arrastou homens, mulheres e crianças para a fogueira. Esta gente de” ruim estofo”, aproveitou-se e deu aso à pilhagem. Crianças são retiradas dos berços, seguras pelas pernas e atiradas à rua. Entretanto tudo metiam em sacos, conforme o valor e preferido o ouro, prata e enxovais.

 

Os cristãos novos que  conseguiram escapar, refugiam-se nas igrejas e capelas e enlaçam-se às imagens dos santos expostas nos altares.

 

Inocentes, gente de fé que tinha seguido o cristianismo, mesmo assim não conseguiram livrar-se da morte pelo espancamento ou pelas labaredas da fogueira.

Nessa segunda-feira negra foram assassinadas um milhar de pessoas.

Escaparam os homens de posses por não se encontrarem em Lisboa, mas distantes do ambiente pestoso, que grassava na cidade.

 

Ninguém teve mão ao apaziguamento do motim. Os alcaides e a justiça pretenderem pôr termo à rebeldia cruel, não o conseguiram pelo encontro de resistência. Foram obrigados a recolherem-se em lugares seguros para que o acontecido aos cristãos novos não lhes viesse.

 

Góis: “ avia entre portugueses que andavão encarniçados neste feo, e inhumano trato taes, que por se vingarem do ódio, e mal querença que tinham com alguns Christaos novos, e nas ruas, ou em suas casas onde os hião saltear os matavam, sem em tamanha desavença se poer ordem”.

 

Na terça-feira, depois de dois dias de matança, a perseguição  e a caça aos cristãos novos continuou. A “ralé” já os não encontrou. Pessoas de bem e piedosas deram-lhe abrigo, ocultando-os em suas casas. O balanço resultou de 1.900 pessoas sacrificadas. Acudiram à cidade o Regedor Aires da Silva e o Governador D.Álvaro de Castro, com gente, para terminar o furor, práticamente já no fim.

 

A turba extenuada de matar mas, desesperadamente, tentam roubar o mais que pode. A notícia do tumulto chegou ao conhecimento de D. Manuel que se encontrava na Vila de Aviz, ido de Abrantes visitar sua Mãe, D.Beatriz. O Rei ficou enojado e desde logo enviou o Prior do Crato e Dom Diogo de Lobo, Barão do Alvito, com todos os poderes para castigarem os que se achassem culpados. Muitos são presos e enforcados pela Justiça, principalmente, os nacionais. Os estrangeiros com o produto da roubalheira, acolheram-se nas naus, ancoradas no Tejo e zarparam para outros países e ficam impunes dos crimes. Ao dois frades, causadores do massacre, que servindo-se do crucifico, como símbolo, foram os causadores do motim, são-lhes retiradas as Ordens, julgados e condenados a ser queimados vivos na fogueira”

 

De autor desconhecido no princípio do século XVII em Amestardão:

 

                                                PELLA YNQUIZÇÃO

 

                                    “Neste horrendo, triste e temerozo,

                                    Que o volgo chama tribunal sagrado,

                                    Se faz cobarde logo o animozo,

                                    E inorante o que he mais auizado.

                                    Aqui se faz o justo criminoso,

                                    Jurando o que não viu, nem foi soñado.

                                    Aquy se fazem trassas e ardis seus,

                                    Que os Cristãos se convertem em Judeos”.

 

Cansado e doente é-lhe concedida a licença para voltar a sua casa de Alenquer.

Numa noite gélida do mês de Janeiro de  1574 o erudito, só e abandonado pela sociedade portuguesa; caracterizada de cruel para os grandes vulgos (onde, entre outros se inclue Luis de Camões) senta-se à lareira e no dia seguinte Damião Góis está morto em cima do brazeiro. No dia 30 do mesmo mês foi sepultado no jazigo de família em Alenquer.

 

Gabriel Pereira, no prólogo da edição “ Chronica d’El-Rei D.Manuel”, volume I, de 1909, Biblioteca de Clássicos Portuguezes” no últmo parágrafo:

 

<< O final triste, sombrio do illustre velho, perseguido pelo Santo Ofício, desterrado para o mosteiro da Batalha, explica-se pelo ar do tempo, pela necessidade de reagir contra a invasão crescente do lutheranismo da heresia anti-papal, que tinha entrado em Portugal e Hespanha, que se infiltrava en conventos e colegiadas e nas côrtes, que chegava Às universidades e até aos prelados. E Goes tinha conhecido pessoalmente Erasmo e Luthero! Não sei como o deixaram morrer na sua casa, na sua lareira.>>

 

Damião de Góis próloga a primeira edição da “Chronica D’El-Rei D.Manuel” que indica ter sido editada em 1566/1567:

 

<<Muitos, e graves authores nos princípios de suas Chronicas trabalharão em louvar a historia, da qual tudo o que dixerão foi sempre muito menos do que se devia dizer, porque assi como ella he infinita, assi seus louvoros não tem fim sem termo a que se possão reduzir, e pois tudo o tratado nesta parte, he quasi nada em comparecerem do que deve ser, voltarei daqui a vela, para poer a proa nesta: na qual por certo não usaria nem devera de tocar, se me nam fora mandado por V.A. por ser de qualidade, que depois dalgumas pessoas a terem começado, el Rei D. João vosso irmão, que  santa gloria haja, pera se acabar per outros, de cujas habilidades tinham mór opinião, em mãos dos quaes ficou ate seu falecimento. E considerando V.A. que pois estas pessoas de que se tanto sperava, nam tinham feito em tempo de trinta e sete annos, que á, que el Rei dom Manuel vosso pai faleceo, cosa que respondece ao merecimento de tal negocio, sem se lembrar de quão fraco eu devo ser pera hum tamanho peso, me mandou neste ano so Senhor de MD. LVIII, que daquillo em que muitos, como em cousa desesperada, se nam atreveram poer a mão, tomasse eu o cuidado, e que fiz com mór ousadia do que a meu farco juiszo convinha, movido com tudo por sos dous respeitos, o hum por eu ser fectura do dito senhor Rei vosso pai, criado em sua casa, e em  seu serviço, desde idade de nove annos, o outro por  me parecer que se nam movera V.A. a me mandar cousa em que consistiam todolos feitos, e louvores deste felicíssimo Rei, e daquelles que o serviram na guerra e na paz, senam por confiar de mim eo mais substancial que nos screver das Chronicas se requere, que he com verdade dar a cada um o louvor, ou reprehendessam que merece. Pelas quaes resões me atrevi a tomar este trabalho, o qual tal qual he, me pareceo que não devia, nem era bem que dedicasse senam a V.A. quomo a principal author de a fama, e gloria del Rei seu pai sairem em luz e nam perecer a lembrança das cousas notáveis que aconteceram aos Portugueses per todo o descurso de seu reinado.>>

 

 

A causa de sua morte não é conhecida... mas também para que seria necessário sabê-la?   

Aventaram a hipótese de congestão ou apoplexia.

 

Damião de Góis na sua Obra “Chronica d’El-Rei D. Manuel” escritos apresenta-se como um escritor independente que pretende narrar com transparência os factos. A sua pena tem apenas um só gume e não dois em que um pode dobrar no bater da diversidade da dureza do solo em que se apresenta.

A sua prosa também esteve sujeita à sua censura real o que assim se entende que os monarcas portugueses ( e se estende aos dias hoje em que a verdade é coisa que não agrada muito aos governantes), também receavam a transparência da realidade, onde poderia ser descobertos amores furtivos que resultavam em  bastardia,  a demência dentro das famílias reais ou nobres.

 

Um extracto do artigo de MUSEU PORTUENSE (pa.2), que precede a publicação do cap. 23 da chronica d’el-Rei D. Manoel.

 

... Mostraremos a Damião de Goes, que em veracidade, independente d’ espirito, e desinteresse, a pendente do Governo por seu cargo, mas ainda mais pela concessão de favores pecuniarios pedidos: vê-lo-hemos soffrendo que a politica d’estado lhe mutile um capítulo da Chronica que elle escrevera de D. Manuel, em quanto que a lisonja dissatisfeita com os elogios menos srvis que elle tributava ao Cardeal D. Henrique, a quem endereçou esta sua Chronica, ousava aubstituir a outro capítulo seu um longo e florido discurso, que mal se quadra com a severidade do nosso Historiador, e, receamos, às vezes, com a verdade.

Os documentos que apresentamos são originais, e julgamos que, bem conhecidos d’alguem, vem a luz publica pela 1ª vez. Encontramol-os n’uma collecção de papeis existentes na Biblioteca Publica Portuense, que alem de varios, curiosos e importantes autographos, contém grande numero de normas ou rascunhos, para cartas regias e instrucções expedidas durante a minoridade d’ el Rei D. Sebastião. Destes papeis alguns tem sido publicados; outros ainda não o forão, mas bem merecem sê-lo, porque lanção considerável luz sobre a historia secreta daquella minoridade.

O rascunho da carta regia, que em primeiro logar appresentamos, julgamos traçado pela mão de Pedro d’Alcaçova Carneiro, Secretario d’Estado, que o remetteu a Pantaleão Rebello, Escrivão da Camara d’Elrei para o trasladar a limpo. – E’ facil o verificar que a data devêra ser 1566 ou 1567; e é mui verosimil que a carta enviada fosse assignada pela Rainha D. Catherina, que ainda que já não era regente, governava com tudo na casa e pessoa d’elRei seu neto.

 

<< Damião de Goes. Vi a carta que me escrevestes em que me pedis vos faça mercê de vos mandar emprestar mil crusados para se acabar a impressão da Chronica d’el Rei D. Manuel, ou aja por bem que os  volumes que sam impressos se dem nas moradias, ou nos soldos da gente da India. E quanto a isto parece-me que seria de grande incoveniente pelo que não (o) hei por bem. E quanto ao emprestimo porque as necessidades de minha fazenda não dão lugar a poder ser todo, hei por bem de vos mandar emprestar 500 cruzados, com os quaes vos deveis remediar e acabar a dita impressão.

<< Vi os capitulos que me enviastes assim o que falta no Cardeal Infante meu tio como o toca às cousas de d’el Rei Dom Fernando. No do Cardeal mandei emendar o que vereis, e no d’el Rei Dom Fernando mudar o que tambem vereis pelo caderno que com esta vai, conforme ao qual o fareis lançar em seu lugar.>> (1)

 

Contra a vontade de Góis, como é óbvio capitulos 23 e 27 da Crónica de El Rei D.Manuel sofrem  castração cujo a esta o erudita não pode negar a correção dado que sabia sofrer represálias e, estas reais.

 

Chegou-lhe a clemência quando por misericórdia foi solto dos claustros da Batalha; votado ao abandono em Alenquer. Numa noite de geada Damião de Góis, junto à lareira, com memórias, prementes, no seu cérebro das grandezas dos feitos durante a sua vida, tombou sobre as brasas rubras, que nessa tarde o pobre Góis recolheu, numa mata de Alenquer, uns paus meios húmidos  para lhe amornar o corpo porque a sua  alma já lha tinham, os Homens, torturado e arrefecido.

 

José Martins

 

Fontes: “Várias e destaco  Gabriel Pereira no Prólogo de uma edição do original “ Chronica do Serenissimo Senhor Rei D. Emanuel” escrita por Damião de Goes, Dirigida ao Serenissimo Principe Dom Henrique, Infante de Portugal, Cardeal do Título dos Santos Quatro Coroados filho deste feliciasimo Rei. Parte I E II. COIMBRA: Na Real Officina da Universidade, anno de MDCCLXXX.

Com Licença da Real Mesa da Comissão Geral sobre o Exame, e Censura dos Livros.

Foi taixada cada huma das Partes desta Chronica em papel a 480 reis.

 

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